quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Breve crônica de desesperos acumulados

.a humanidade. esta frágil concepção que denota o que? abrangente de tantos homens e de nenhuns. esta minha humanidade individualizada por exemplo, tantas vezes tomada de mim ou negada em mesma medida pelo meu eu. sou bicho. sou bicho quando atravessam a rua conclamando a segurança. quando cadelizam-me nos olhos desrespeitosos de desejo. desejo de nojo. no supermercado quando me oferecem a chave para guardar a mochila. só a mim. na praça quando o lazer do ócio é suplantado pelos olhares inquisidores. sou bicho sem lugar. mesmo em casa, quando negam-me chamá-lo de lar, quanto desconfortam-me a ponto de eu não mais pensar, eu sou bicho. sou bicho que come quando me olham comer. julgam-me à mim e ao prato. sou bicho quando me agarro ao sobretrabalho por um patamar inalcançável. quando me desrespeito no amor. quando esgarço meu corpo até a inercia. a todo momento tenho que defender essa mínima humanidade. tenho que lutar. lutar feito bicho.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Das mitologias

.vieste, assim como a brisa leve precede a tempestade. guiado pelo cheiro dela. tempestade. juntos movimentaram céus. sublevaram mares. ao fim, acalmaram-se. deitados em sonhos de garoa fina.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Poderia ser música sertaneja, mas não é:

.o orgasmo não é um cavalo desenfreado nas campinas do desejo. ele é o silêncio que te pega na esquina de si mesmo. te revela nas palavras sem som e significado. e, te arremessa na parede do eu quando a eletricidade cala e, o corpo grita sem dicionários.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Do que colide, mas não funde;

.gente para fora. procuro, procuro. dentro quase nada. universo de uma estrela só. há outra gente. gente galáxia. não precisa de muitas palavras. gente que é dentro, dentro. gente para fora é turbilhão. para fora. para dentro. não se fundem. extremos. estremecem. essas gentes. conjunto vazio de existências compartilhadas. xiiiiiu, não ouviu? outra estrela nasceu dentro. felicidade de silêncios.

terça-feira, 15 de março de 2016

Das modernidades

eu tenho medo do bem. tenho medo da faca da convicção. vejo-a retalhar ideias no ninho. aspirações em formação. ideais que não se transmitem na linguagem formatada, na formalidade das falas bonitas, mas mortas. cemitério de altíssimas verdades. um corte profundo, assertivo, treinado na mediocridade do reproduzir. eu tenho medo do bem cristalizado. da negação do mal estar que a análise atenta, constante e forçada provoca. eu tenho medo da transubstanciação do bem em verdade e, da verdade em deus. da fé, que faz enxergar ao outro como inimigo. sacrificamos nossos inimigos a deus. é assim faz tempo. mesmo sem saber ao certo o que é o bem, ou, o que é deus. estranho olhar o outro sem se ver. o outro é carapaça. sujeito a humilhação e chutes na costela. ele não é o bem. ele não se justifica. e a verdade-fé se justapõe em um único tiro. eu tenho medo do bem. eu tenho medo do bem. eu tenho medo do bem. 

sábado, 12 de março de 2016

Dos fazeres

.eu faço poesia de quinas e de sobras. às vezes de falta também, mas só quando ela é fartura.

terça-feira, 8 de março de 2016

Morte e vida poetina

expressão engraçada:
- veia poética.
salvadora também.
faz-me pensar que
morrer é
um bem maior
que o poeta
pode legar.
imagine:
os olhos baços
do poeta estirado no asfalto,
atropelado
pela sensibilidade,
e o sangue
borbulhando
abrindo caminho
entre o desgosto
cotidiano
através dos pneus dos carros.
fazendo sua própria via,
despertando flores,
alamedas de paz.
o cordeiro da remissão:
as pessoas olham
e o todo aquele vermelho
as absolve de serem
opacas.
uma hemorragia
fatal,
gerando vida
naqueles que são só
matéria.
arco íris,
nas íris
indolentes.
o pavimento corriqueiro
infectado de versos.
veia poética,
esta da morte.
afinal,
poeta bom
talvez seja
poeta morto.




*escrito em 2011*

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Somos?

.é quando a distância entranhou-se na presença. alguém está gritando ao seu lado, mas não se escuta. esse se debater assim freqüente, já não é detectado pelo radar. estamos presentes, mas como se não existíssemos. e o diálogo sai seco e, o abraço frouxo. o beijo caminhou para outro lugar e não voltou. é como se nos perdêssemos pelas beiradas, e a única alternativa para atingir o âmago é violentá-lo. na dor existimos. mas não foi assim que sonhamos viver. saltamos entre o terreno acidentado dos silêncios para momentos em que nos lembramos vagamente quem éramos. somos? não é que não hajam palavras, é que elas não tocam o essencial. conversa morna. cotidiano de não eus. se não nos conhecemos porque deveríamos compartilhar uma vida? mas quando penso assim, tão lucidamente no fim, você brilha. nos silêncios que de alguma forma conseguimos significar, atingir o elo. mas não será essa ameaça constante do romper-se aquela violência que nos ejeta ao centro de nós? vida de fronteira. limites inflamados. amor hostil. mas você brilha novamente. e eu me retorço em um sorriso comiserado.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Daquilo que já não é, mas ainda é

veja. penso na utilidade da palavra ausência. sua definição ou não. a ausência transborda. ela não é o vazio. é um conjunto de vazios interseccionados no qual cada borda, fronteira, conta a história do que um dia foi. esteve. não está mais e, afinou-se nessas linhas limites. a ausência é repleta, mas suprimida. é qual uma uma lâmina na potência de seu fio afiado. a ausência é um devir e um passado indissociados. uma eterna espera de um ponteiro já realizado. uma ânsia de uma batida na porta, para depois ser mais ausência, maiormente repleta. a ausência é um desses deuses desvirtuados que vive por seu próprio fundamento. todos contam e cantam a sua estória, comovem-se ao seu invocar e, submergem em sua atmosfera sem conseguir, jamais, torná-la uma desconhecida.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Das companhias

.'só' é uma palavra tão curta, mas tem a companhia ao menos do acento. 'sozinho' já é uma palavra grande, longa de se percorrer, e nem esse consolo tem.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Das superficialidades

.lugares são como qualidade de pessoas. já estive em vários, mas não conheci realmente quase nenhum.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Redes e Fluxos

.carros apontam distantes na avenida. parecem diamantes incandescentes rolando no leito do asfalto. a cidades e as gentes são as margens desse rio. entulhadas e desvalorizadas em prol da velocidade. a monotonia me balança. o ruído que emitem ao cruzar por mim, trepidam-me internamente. algo reverbera. mergulho na calha desse rio. e sou atropelada na minha insignificância cidadã.